Depois de uma pausa involuntária devido às ocupações extra-poéticas desse que vos fala, e depois de duas semanas sem poemas (mas com Raul Seixas & Sérgio Sampaio e Pink Floyd em versões de dub e brega), a coluna CONFRONTOS E CONFLUÊNCIAS volta a pôr poetas no palco nessa quinta-feira. E não são quaisquer poetas, João Cabral de Melo Neto e Ferreira Gullar entram em cena entremeados com os seus galos.
Cada um com suas particularidades e enfoques específicos, os galos entram em cena para o combate. Há uma notável confluência entre ambos: JCMN afirma que: um galo sozinho não tece uma manhã, bem como Gullar: vê-se o canto é inútil. Como o POETAS DE MARTE não vai fazer nenhuma aologia às brigas de galo, deixamos o leitor com um confronto muito mais saudável. Evoé!
TECENDO A MANHÃ
Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito que um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.
*
E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.
(João Cabral de Melo Neto)
GALO GALO
O galo
no saguão quieto.
Galo galo
de alarmante crista, guerreiro,
medieval.
De córneo bico e
esporões, armado
contra a morte,
passeia.
Mede os passos. Pára.
Inclina a cabeça coroada
dentro do silêncio
— que faço entre coisas?
— de que me defendo?
Anda
no saguão.
O cimento esquece
o seu último passo
Galo as penas que
florescem da carne silenciosa
e o duro bico e as unhas e o olho
sem amor. Grave
solidez.
Em que se apóia
tal arquitetura?
Saberá que, no centro
de seu corpo, um grito
se elabora?
Como, porém, conter,
uma vez concluído,
o canto obrigatório?
Eis que bate as asas, vai
morrer, encurva o vertiginoso pescoço
donde o canto rubro escoa.
Mas a pedra, a tarde,
o próprio feroz galo
subsistem ao grito.
Vê-se o canto é inútil.
O galo permanece — apesar
de todo o seu porte marcial —
só, desamparado,
num saguão do mundo.
Pobre ave guerreira!
Outro grito cresce
agora no sigilo
de seu corpo; grito
que, sem essas penas
e esporões e crista
e sobretudo sem esse olhar
de ódio,
não seria tão rouco
e sangrento.
Grito, fruto obscuro
e extremo dessa árvore: galo.
Mas que, fora dele,
é mero complemento de auroras.
(Ferreira Gullar)
Boa Caju... O galo do João é o campeão - esse p mim é um dos melhores poemas dele
ResponderExcluirVocês falaram tanto em galo que D.Carminha viúva do galo(Enéas Freire/Galo da madrugada),faleceu no dia seguinte(10/12).Pareceu um canto de anunciação
ResponderExcluirNossa! que Deus a tenha.
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