O Som ao Redor
Ao ler a respeito de O Som ao Redor,
certamente um dos filmes mais elogiados dos últimos anos, uma unanimidade
poucas vezes vista na crítica atual, fiquei na expectativa de assisti-lo e me
deparar com um grande filme. O problema é que expectativas muito altas podem
não ser correspondidas e a decepção vir logo em seguida bater na porta da sua
casa. No entanto, o que aconteceu comigo foi uma frustração às avessas, pois,
por mais que esperasse um determinado tipo de trabalho, o que o Kleber Mendonça
Filho entregou como filme fugiu, felizmente, a qualquer tipo de definição, ou
seja, surpreendeu.
Ao nos apresentar os diversos personagens de
uma rua em Recife, Kleber faz um panorama de uma sociedade que se modernizou,
mas cujas raízes ancestrais, que definem o nosso país como ele é hoje,
permanecem latentes e explodem em diversos momentos. É o Brasil recôndito da
escravidão, do abismo entre patrão e empregado, desigualdade social,
patriarcalismo e conorelismo, preconceito, pátria cheia de segredos que emergem
através dos mais diversos sons que caracterizam e revelam aquela rua e seus
relacionamentos interpessoais (gritos de crianças, carros, televisões, latidos,
passos, eletrodomésticos). O Som ao Redor,
é mais um filme “de clima e atmosfera” do que de um enredo intrincado
propriamente dito e isto não é uma crítica negativa e, sim, seu melhor aspecto.
São as sutilezas que ditam a regra neste
trabalho incomum em nossa cinematografia (me lembrou um pouco a estranheza causada
pelo argentino O Pântano, dirigido
por Lucrecia Martel), a tensão e os conflitos aparentemente mínimos que movem
as personagens: a mulher que está incomodada com o latido incessante do
cachorro do vizinho; o rapaz que trabalha como corretor, neto do homem que é dono
de grande parte das residências do bairro, e seu novo relacionamento; o
segurança que oferece serviços de proteção da rua, ganhando a confiança dos
moradores e um domínio e controle sobre eles também através de sua milícia, entre tantos outros.
Kleber sabe enquadrar perfeitamente qualquer
cena (um contraste de casas, prédios, grades, janelas e corredores), propor movimentações
sutis sem nenhuma pressa com uma câmera estável (sem aquela tremedeira que
tomou conta dos realizadores atuais) que contempla seus personagens, sem
grandes rodeios ou ostentações de estilo, tornando-se uma aliada para a estória
que conta e não a personagem principal deste trabalho.
O Som
ao Redor
é um filme que pode soar estranho aos olhos não afeitos a uma narrativa diversa
das que vem sendo exibidas no circuito comercial de cinema, mas prende a
atenção pela utilização inteligente do som, pela naturalidade dos atores em
cena e pelo olhar inédito sobre aquela rua que nada mais é do que um microcosmo
do que vivemos e sofremos em nossa sociedade como um todo, não somente no
Recife.