Viajantes Interplanetários

quarta-feira, 4 de abril de 2012

É NODA! — #03

TRANSGRESSÃO NÃO PRECISA DE INSTRUÇÃO
“Há o escritor que acredita/ Que, bem, só ele é que leu/
E repete a toda hora: / ‘O grifo é meu’.”
(Millôr Fernandes)

Penso que a obscuridade do texto poético e as lacunas deixadas pelos autores são as plataformas de embarque para a viagem que a leitura nos permite. Como leitor, gosto de completar o que leio com as minhas próprias experiências (ou falta delas). Um poema completo jamais existirá, porque não cabe ao poeta finalizá-lo.
“Quem não entender que se dane”, assim sentenciou Hélio Oiticica, em 1971 na imprensa carioca. Entender um poema não é descobrir a fonte de origem dos versos ou desvendar a biografia do autor, mas, sim, nutri-lo de sentidos, ao bel prazer de cada um. E depois nada como uma mesa de bar ou uma roda de fumo fino para dialogar cada ressignificação dada à obra.
Entretanto, há autores que jogam um balde de água fria em quem os leem, deixando todos de asas presas para alçar voo. Por pretensão ou ingenuidade, os que assim agem, voluntariamente ou não, acabam deixando a poesia subserviente à normalidade. Por ser arte menor e penetra na festa do mercado, a poesia tem mais é que transgredir. Usar e abusar da imaginação do leitor.
Pensando o poema como uma mancha gráfica, tal qual Leminski, ou em um delírio tipográfico, a la Mallarmé, a escolha e o uso das palavras é fundamental. As ferramentas de caixa alta, negrito, itálico, parênteses e aspas são recursos disponíveis para a fluência do texto, e usados a torto e a direito pelos concretistas (ou assim autointitulados). Tudo bem, tranquilo, concordo. Mas às vezes um destaque desnecessário na palavra, tira o gostinho da descoberta pelo leitor.
Conforme canta Arnaldo Baptista: “Eu quero mais é decolar toda manhã”. Não preciso, portanto, de gritos nos meus olhos ou guias de como eu devo ler o poema. Também sou plenamente capaz de perceber cada olé que for dado na gramática. Se Manoel de Barros ou João Guimarães Rosas viessem com manual de instruções, eles não seriam quem são, afinal.

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Fred Caju responde pelas suas próprias opiniões, que não estão necessariamente em unanimidade com a equipe do blog, que preza pela livre iniciativa de seus colaboradores.
   

14 comentários:

  1. Falou bem , Caju! O uso de parênteses, caixa alta e outros...em alguns muitos poemas dá uma impressão de que os que escrvem estão receosos de não terem sua mensagem bem compreendida. Dane-se quem não entenda ou entenda o que quiserem. Esse é um dos objetivos do poema!

    Muita paz!

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    1. A questão do receio acho que fica mais para os escritores ingênuos. Não dispenso a possibilidade de existirem escritores como os que o Millôr descreve em O grifo é meu.

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    2. Caju,

      escritores ingênuos ou inseguros? Vejo tanta gente boa por aí... dentro e fora da net

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    3. Ingênuo. Acredito que o escritor inseguro deve ser descartado completamente do jogo. Clarice Lispector disse ao, ainda jovem, José Castello que para escrever é necessário ter coragem, quem não tiver, não serve. O ingênuo age na inocência e certamente aprenderá com os seus erros, o inseguro hesita, hesita, hesita... E eu faço o mesmo com ele: hesito-o.

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  2. meu irmão essa coluna é Foda!!!!!!!!!! Essa discurssão tb rolou lá em casa hahahaha bem ao metapoema e coisa e tal. Cara estou com vc cada dia mais e não abro, dá vontade de contar do poema, mas agora não conto mais - o negócio é deixar o outro gozar da letra com o simbolo gráfico q ele quizer. Esse Caju tá fodinha hehehehehee
    Algum tempo atrás datava poemas, mas (dentro do assunto ainda) parei de fazer isso depois de trocar uma ideias com um livro do Quinta, Mário. Cada um que voe para onde quizer.

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    1. A coluna não é foda, Daniel, é noda! Porque se fosse foda era bom. Não sei como você chegou a essa mudança da presença ou ausência da data, mas quero descobrir, vou ter que arregar esse seu livro consequentemente.

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    2. uauauauauua pois é, os textos atuais raramente dato, mas mantive as datas dos antigos. quando vc vier aqui vai a belezinha do quintana que eu tenho uauauau

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    3. recital aqui em casa em maio, mande email p JImmy e pegue uns textos dele, no mais mandei o endereço de email dele p vc

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    4. Massa, mas não vou precisar enviar o e-mail, tenho minhas próprias fontes e gosto de investigar por conta própria. Até lá!

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  3. Caro Fred,
    Concordo com cada palavra dessa tua crônica opinião, mas quero acrescentar que qualquer obra de arte é para ser interpretado pelo leitor ou expectador. Filmes são bom exemplo de obras que podem ser interpretadas de várias maneiras até pelo mesmo expectador. Quando a gente vê um filme de pois de tê-lo assistido anos atrás, ele se torna outro filme, isto é, nossa vivência ou maturidade nos dão outros olhos para apreciar aquela arte. No mais, parabéns por essa excelente crônica que só podia sair de uma cabeça privilegiada como a tua. Abraços, JAIR.

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    1. Exatamente. A vivência é o que preenche as lacunas da obra. É mutante entre aqueles que a consomem, bem como em nós mesmo ao longo dos anos, como você colocou, Jair.

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  4. essa coluna me surpreende a cada postagem hehee

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  5. Fred, vim de curioso a este blog marciano que desconhecia a partir do Quiosque do Pastel, onde você comenta. Cliquei e eis-me aqui, apreciando cada pedacinho já lido. Claro, tem muuuuito mais, mas por esta amostra já adivinhei que vale a pena voltar. Abraço

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