Viajantes Interplanetários

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Um país de poetas nos tempos da autopublicação

POR RAQUEL COZER




Não sei quem comentou ou se a frase sequer tem dono: se todo mundo que escreve poesia comprasse poesia, não ia dar outra coisa nas listas de mais vendidos. Tem seu exagero, mas a lista temática de livros publicados no Clube dos Autores, plataforma brasileira para autopublicação de escritores, corrobora a parte em que somos um país de poetas.
A poesia é o terceiro gênero mais publicado (2.050 títulos) por autores independentes desde a criação do site, em maio de 2009. Ou talvez seja o segundo, não está muito claro: em primeiro lugar vem literatura, com 2.941 obras. Em segundo vem ficção, com 2.435, que poderia se referir a algo como ficção científica, mas para quem cadastra seus livros pode muito bem ser apenas literatura, mesmo (e há livros cadastrados tanto como literatura quando como ficção).
Isso é uma digressão para ajudar a mensurar a autopublicação no Brasil, tema dereportagem que publiquei no sábado na Ilustrada. Porque é mais simples usar como referência exemplos bem-sucedidos estrangeiros, como E.L. James e Amanda Hocking, do que prestar atenção no tamanho da demanda brasileira por um espaço na prateleira –virtual, que seja.
Ficando ainda no Clube dos Autores, o maior site de autopublicação do país. Em menos de quatro anos, o site teve publicadas pelos escritores (sem necessariamente a interferência de editor, revisor ou diagramador) quase 21 mil obras. Dessas, só no último ano foram 10 mil títulos. Somadas, as dez editoras que mais publicaram livros em 2012 não chegaram a 5.000 títulos, considerando que a casa que mais livros coloca no mercado, a Record, lançou 600 no período.
Outro lado dessa história diz respeito ao leitor. Dos mais vendidos do site, só três chegaram à casa dos quatro dígitos. Apesar de literatura e poesia liderarem em publicações, o líder é um estudo leigo sobre o transtorno de personalidade limítrofe, ”Sensibilidade à Flor da Pele”, de Helena Polak, com 1.500 cópias em três anos. No geral, as vendas não passam das dezenas de unidades –para familiares e amigos, o que muitas vezes é o que basta para os autores–, segundo os criadores do Clube dos Autores e dos mais recentes PerSe e Buqui.
Fala-se muito do fenômeno da autopublicação, do fim iminente das editoras, mas, no Brasil, escritores autopublicados só ultrapassaram as dezenas de milhares de livros vendidos após serem descobertos por editoras à moda antiga. Pessoalmente –sem nem levar em conta as grandes vendas, algo que a literatura mal conhece–, sempre apoiarei que todo autor precisa de um editor. Nada melhor para um texto que uma leitura crítica de quem entende.
Mas o formato de autopublicação que independe de pagamento do autor é lindo. Publica quem quer, lê quem quer, ninguém gasta papel à toa. O autor pode publicar sem ajuda de ninguém, ou pode contratar serviços de edição e revisão. Aprende (ou não) a divulgar o próprio livro, porque ficar só se lamentando não está com nada. Só não custa ter em vista que muito do que se publica no país jamais será lido. Muitos dos livros de poesia do começo deste texto que o digam.

COZER, Raquel. Um país de poetas nos tempos da autopublicação. Folha de Sâo Paulo (Online). Disponível em: <http://abibliotecaderaquel.blogfolha.uol.com.br/2013/01/23/um-pais-de-poetas-nos-tempos-da-autopublicacao/>  Acesso em: 23 jan. 2013.


3 comentários:

  1. Que incrível! Os poetas não leem poesia... confesso que tenho muitos livros, mas apenas uns poucos são de poesias. Acho que os poetas sofrem de um probleminha: vaidade. Eles se amam. Eles se veneram. Bem, mas eu escrevo poesia também, então sofro da mesma síndrome. Leio muitos poetas na net, mas não tenho muitos livros em casa...

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    1. Comigo é ao contrário, sempre que posso leio os poetas, por exemplo na minha pratileira de livros só tem poetas, praticamente. Acho que o problema é que o ofício de poeta deveria ser mais respeitado, um assunto que sempre discuto com Caju quando tenho oportunidade de tomar uma com ele.

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  2. Eu jurava que tinha sido a Aline que havia posto tempero nas discussões a respeito de independência literária e outras coisitas, quando de repente chego no fim da leitura da postagem e tome uma na cabeça, foi Ialy quem postou! hehehehehehe de toda forma por intermédio de Caju estamos chegando perto de testar os leitores desse sítio e de outros, amigos e curiosos quando a Castanha muito em breve der seus frutos.

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