Viajantes Interplanetários

quinta-feira, 1 de março de 2012

Poesia Matemática


Às folhas tantas
do livro matemático

um Quociente apaixonou-se
um dia
doidamente
por uma Incógnita.
Olhou-a com seu olhar inumerável
e viu-a do ápice à base
uma figura ímpar;
olhos rombóides, boca trapezóide,
corpo retangular, seios esferóides.
Fez de sua uma vida
paralela à dela
até que se encontraram
no infinito.
"Quem és tu?", indagou ele
em ânsia radical.
"Sou a soma do quadrado dos catetos.
Mas pode me chamar de Hipotenusa."
E de falarem descobriram que eram
(o que em aritmética corresponde
a almas irmãs)
primos entre si.

E assim se amaram
ao quadrado da velocidade da luz
numa sexta potenciação
traçando
ao sabor do momento
e da paixão
retas, curvas, círculos e linhas sinoidais
nos jardins da quarta dimensão.
Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclidiana
e os exegetas do Universo Finito.
Romperam convenções newtonianas e pitagóricas.
E enfim resolveram se casar
constituir um lar,
mais que um lar,

um perpendicular.
Convidaram para padrinhos
o Poliedro e a Bissetriz.
E fizeram planos, equações e diagramas para o futuro
sonhando com uma felicidade
integral e diferencial.
E se casaram e tiveram uma secante e três cones
muito engraçadinhos.
E foram felizes
até aquele dia
em que tudo vira afinal

monotonia.
Foi então que surgiu
O Máximo Divisor Comum
freqüentador de círculos concêntricos,
viciosos.
Ofereceu-lhe, a ela,
uma grandeza absoluta
e reduziu-a a um denominador comum.
Ele, Quociente, percebeu
que com ela não formava mais um todo,
uma unidade.
Era o triângulo,
tanto chamado amoroso.

Desse problema ela era uma fração,
a mais ordinária.
Mas foi então que Einstein descobriu a Relatividade
e tudo que era espúrio passou a ser

moralidade
como aliás em qualquer
sociedade.

Millôr Fernandes.Tempo e contratempo.ed.Rio de Janeiro:O Cruzeiro,1954, p.sem número.


12 comentários:

  1. ótima escolha, apesar de odiar matemática tenho que reconhecer a poesia viva neste poema

    beijo

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    1. É engraçado como ouço as pessoas dizendo que odeiam matemática!

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  2. Cristiano,
    Foi bom reler Millor aqui no "Poetas", eu já conhecia esse texto dele, acho que sou tão velho que devo ter lido na época que foi escrito. De qualquer forma, é uma bela postagem, JAIR.

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  3. Não que eu queira fomentar a ridícula oposição português x matemática, mas fico com o Leminski:


    O assassino era o escriba

    Meu professor de análise sintática era o tipo do sujeito inexistente.
    Um pleonasmo, o principal predicado de sua vida,
    regular como um paradigma da 1ª conjunção.
    Entre uma oração subordinada e um adjunto adverbial,
    ele não tinha dúvidas: sempre achava um jeito
    assindético de nos torturar com um aposto.
    Casou com uma regência.
    Foi infeliz.
    Era possessivo como um pronome.
    E ela era bitransitiva.
    Tentou ir para os EUA.
    Não deu.
    Acharam um artigo indefinido na sua bagagem.
    A interjeição do bigode declinava partículas expletivas,
    conectivos e agentes da passiva o tempo todo.
    Um dia, matei-o com um objeto direto na cabeça.



    (Paulo Leminski)

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  4. A matemática torna-se pura poesia! E já não é?

    Ótima escolha.

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    1. Caro Fábio,

      Millor não se deveria apenas escolher, e sim, ler de forma compulsória!

      Muita paz!

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  5. Esse se garante mesmo, para mim é o maior escritor ( em todos os estilos) vivo no Brasil.

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