Viajantes Interplanetários

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Pedro (VISÃO PERIFÉRICA no.11)


"Hoje, eu vou chorar", dizia com pleno entendimento dos seus sentimentos aos quase quatro anos de idade. O carro havia estacionado no posto de saúde, seus pais se surpreenderam com a frase. Não sabia o que era asma ou tratamento, mas tinha a certeza de que não gostava de injeção. Uma por semana. Normalmente, pai e mãe diziam-lhe que não doía, mas hoje ele estava experiente. "Mas porque vai chorar? Você é tão forte! Semana passada você nem chorou. Depois, a gente sai e toma um picolé.", disse mãe. Reforçou desafiadoramente: "Hoje, eu vou chorar!", convicto de seus ideais. Desceu do carro e caminhou de mãos dadas entre os pais. Mãe tentava demovê-lo. "É só uma picadinha de formiguinha, não dói". Nada falava. Ao chegar perto, viu a fila com outras crianças, o posto parecia estar mais cheio do que de costume. Algumas até brincavam e riam em sua ignorância (ou coragem, não sabia), outras choravam assim que saiam da sala maldita, a qual todos aguardavam entrar. Pobres coitados! Sentiu-se apreensivo e pediu para ficar no colo. Mãe não lhe recusou e continuou sua ladainha. Ele estava impassível naquele dia, e não dava atenção ao que mãe lhe dizia. Era todo apreensão, atento e torcendo para que nunca chegasse a sua vez, mas no fundo sabia: era inevitável. Ouviu a moça de branco chamar-lhes: "Mãe, é a vez de vocês", apontando-lhes o dedo. "É a de asma", disse mãe ao entrar na sala. E, logo, comentou com a outra moça de branco, como quem contava uma anedota: "Ele disse que hoje vai chorar". A moça riu e falou: "Vai nada, esse menino corajoso, é só uma picadinha de formiguinha". Respondeu: "Dói sim.", dando a seriedade merecida ao momento. Logo, ela escondeu o riso com a máscara branca, e tirou sua agulha de um isopor, com o vidrinho. Puxando o líquido da ampola, pediu que lhe mostrasse o braço. Ele não se recusou, senão ajudou. Levantou a camisa com pesar e olhos fixos nos olhos de seu carrasco. Logo, sentiu o ferrão do escorpião perfurando sua pele, o veneno gelado e ardido adentrando seu corpo. Deu um grito fino e derramou duas lágrimas. Olhou para todos, e logo, voltou o rosto para mãe e disse de modo provocador, com uma voz cheia de tristeza: "chorei".

Lucas Holanda
periferiadomundo

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