Viajantes Interplanetários

domingo, 10 de março de 2013

A UTILIDADE DOS VERSOS


VIVENDO BOA FASE, EMBORA AINDA MENOS POPULAR QUE OS DEMAIS GÊNEROS, A POESIA AMPLIA SEU ESPAÇO NO MERCADO E ASSUME ATÉ O PAPEL DE ESCAPE DOS MUNDO MAIS MATERIALISTA



Por: Rafael   Rodrigues

Existem livros que parecem ser mais comentados do que lidos. É o caso, por exemplo, de Ulisses, romance do escritor irlandês James Joyce. Publicada em 1922, a obra revolucionou a literatura do século passado, sendo até hoje referência para diversos autores. Sua importância e seu impacto o alçaram ao status de mito, e é comum ver pessoas referindo-se a ele mesmo sem conhecê-lo plenamente. A poesia, se fosse um livro apenas, poderia ser comparada ao efeito de Ulisses. Embora esteja presente há milênios em todos os lugares, não é novidade alguma para quem transita no meio editorial – ou mesmo para quem o acompanha à distância – que o gênero é pouco vendido e colocado de lado por editores e livreiros. De acordo com a terceira edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, realizada pelo Instituto Pró-Livro em 2011 e cujos resultados foram divulgados em março deste ano, a poesia está em sétimo lugar no ranking de preferência dos leitores.

Mas é também neste ano que tal gênero parece respirar novos e bons ares, tanto de popularidade como de recepção dentro das editoras, que não só iniciaram o processo de reedição das obras de nomes clássicos, como Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Cecília Meireles e Mario Quintana, como aumentaram suas apostas em autores contemporâneos já conhecidos, como Fabrício Corsaletti, Paulo Henriques Britto, Ana Martins Marques e Antonio Cicero.

Mas por que a poesia, que aparentemente é tão popular, é menos lida do que o romance e até mesmo do que o conto, gêneros que, teoricamente, exigem mais tempo do leitor? O crítico e poeta Antonio Brasileiro, que recentemente teve reeditado o seu volume de ensaios Da inutilidade da poesia e publicou a coletânea de poemas Desta varanda, diz que, “de modo geral, romances são mais fáceis de ler. Mas o que penso é que os verdadeiros poetas são bem poucos. E o que acontece? Uma grande quantidade de pessoas publica poesia sem ter uma real vocação. Essas pessoas julgam erroneamente a poesia, embora sejam, muitas delas, bem intencionadas. Daí a quantidade de livros que, na verdade, não são poesia – e, desse modo, não conseguem atrair os leitores. E aí vai todo mundo pro brejo, bons e maus poetas são desprezados”.

RETRATO PROMISSOR
O editor Leandro Sarmatz, que cuida da reedição da obra de Drummond, expressa opinião otimista com relação ao espaço da poesia no mercado. “A poesia pode até ser considerada o ‘patinho feio’ em termos de divulgação e mercado, mas ela não está em maus lençóis. Se bem produzidos (como livro, como produto editorial), ou bem traduzidos, e bem trabalhados pelas próprias editoras, os livros contam com um público fiel e numeroso. Claro, é gênero de multidinhas, não de multidões. Mesmo assim, as vendas de bons livros de poesia são constantes, atravessam os anos.”

O catalisador, se assim podemos chamar, dessa movimentação do nosso mercado editorial em torno da poesia brasileira parece ter sido as reedições bem-sucedidas das obras de grandes poetas, como João Cabral de Melo Neto e Vinicius de Moraes, iniciadas respectivamente em 2007 e 2008 por duas das maiores editoras que atuam no Brasil. Para Sarmatz, o aumento de vendas e a divulgação se devem principalmente a dois fatores: “A qualidade imensa de uma produção que atravessou o século 20 e veio, até hoje, influenciando sucessivas gerações de autores e marcando a vida dos leitores; e ao papel da escola – e das adoções escolares – na perpetuação desses grandes nomes”.

Todavia, o poeta e filósofo Antonio Cicero, um dos mais elogiados escritores brasileiros em atividade, critica o fato de não serem formados leitores de poesia nas escolas. “O fato é que a poesia escrita sempre teve ardentes e fieis, porém poucos, leitores. Não se aprende a ler poesia, digo ler para dentro, não para fora, nas escolas brasileiras, o que é lamentável”, reforça ele, que foi um dos convidados da última edição da Flip, a Festa Literária Internacional de Paraty, e aproveitou a ocasião para lançar Porventura, seu mais recente livro de poesia. Mas o que seria ler para dentro? “O poema tem que ser lido e relido. O leitor do poema deve entrar na temporalidade do poema, deixando que interajam uns com os outros, no tempo que para tanto se fizer necessário, todos os recursos de que dispõe: intelecto, experiência, emoção, sensibilidade, sensualidade, intuição, senso de humor, memória etc.”

Para alguns estudiosos, os próprios escritores brasileiros teriam parcela de culpa pela não formação de um público leitor no país. Um exemplo para reverter esse quadro foi o manifesto a favor de uma literatura de entretenimento brasileira, divulgado em 2010 e assinado por escritores e editores como Lucia Bettencourt, Angela Dutra de Menezes, Celina Portocarrero, Luis Eduardo Matta, Felipe Pena, Tomaz Adour, Barbara Cassará, Halime Musser, Ana Cristina Mello e Marcela Ávila. Afirmando estar “preocupados com a formação de leitores assíduos e frequentes para a ficção brasileira”, os signatários do chamado “Manifesto Silvestre” afirmam: “Os academicismos, jogos de linguagem e experimentalismos vazios não nos interessam. Respeitamos a produção que segue estes parâmetros, mas nosso caminho é inverso”. Uma preocupação compreensível, haja vista o alto índice de analfabetismo funcional entre os estudantes brasileiros. De acordo com estudo divulgado pelo Instituto Paulo Montenegro em julho deste ano, apenas 35% dos estudantes do ensino médio do país têm o nível pleno de alfabetização.

Mas nem uma coisa – o experimentalismo de alguns autores – nem outra – o baixo número de leitores bem capacitados – deve ser empecilho para os escritores, principalmente os poetas. “É claro que há uma poesia para poetas”, diz o editor Leandro Sarmatz, “assim como há um tipo de romance para romancistas. Uma produção mais arcana, mas elusiva, de experimentação – fundamental para a literatura, mas que, claro, não encontra grande eco junto a um público maior”. Porém, continua, “os bons poetas contemporâneos brasileiros – como Eucanaã Ferraz, Carlito Azevedo, Francisco Alvim, Armando Freitas Filho, Angélica Freitas, Antonio Cicero e muitos outros – são bem lidos e conseguem atravessar essa fronteira do experimental e pouco acessível sem, no entanto, baratear um centímetro de suas exigências estéticas”.

Mas o fato é que, mesmo com todas as dificuldades relacionadas à leitura que o nosso país apresenta, o panorama se mostra animador. E é com otimismo que Ivan Junqueira, poeta, tradutor e crítico literário, membro da Academia Brasileira de Letras, vê essa espécie de retomada do gênero que, segundo ele, tende a ser consolidada nos próximos anos. “Não me parece tratar-se de moda, mas de uma aposta editorial não apenas na divulgação de nossos grandes poetas, mas também num indiscutível aumento de interesse dos leitores, o que é extremamente benéfico para um conhecimento mais amplo de nossa melhor poesia. Ademais, é preciso entender que, quanto mais o mundo se torna materialista, mais necessária se faz a poesia.”


Um comentário:

  1. Apesar de rolar aquela merchendagem de "poetas" que nunca vi falar, na boa, muito justificável pelo artigo ter sido escrito na Revista da Cultura. Entretanto o texto é bem sóbrio em alguns relances e até me lembrou da coluna É noda (que virou livro e vc pode conferir passando lá no Castanha Mecânica):"Mas o que penso é que os verdadeiros poetas são bem poucos. E o que acontece? Uma grande quantidade de pessoas publica poesia sem ter uma real vocação. Essas pessoas julgam erroneamente a poesia, embora sejam, muitas delas, bem intencionadas. Daí a quantidade de livros que, na verdade, não são poesia – e, desse modo, não conseguem atrair os leitores. E aí vai todo mundo pro brejo, bons e maus poetas são desprezados”. Acho que é bem por aí tb, mas não é apenas a poesia que sofre desse mal, todavia "parece" ser mais fácil para os falsos (poetas) escritores escreverem um poema em lugar de um romance. Garimpo, é isso que deve ser feito, e olha que o mais popular não significa que o cara é poeta (escritor) e nem irei citar Paulo Coelho. É muito arriscado para os editores apostarem no cara vivo e vivem vivendo de antologias, seleções reedições dos que já não estão entre nós. Até parece um mal fado mesmo que poeta bom é poeta morto. Mas se a ditadura editorial faz e desfaz bato palmas para figuras de culhões como o poeta Fred Caju que em tempos de tempestade abre as portas de mais uma casa editorial que tem publicado quase que 100% de poesia a mais de um ano. Poesia vende? Para mim vai depender se o cara é poeta ou o cacete... A desvalorização da profissão de poeta, sim profissão por que não? Deve ter começado nas própias casas funerárias editoriais que só publicam depois de deixar o vazinho de flor no cemitério.

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