No Brasil, a literatura independente constitui um movimento sem contorno claramente definido ou delineado. Há uma grande diversidade de grupos e poetas. Eu vou falar alguma coisa dentro da minha visão pessoal, do meu gosto pessoal.
Nesse troço de poesia alternativa não
parece haver uma preocupação exclusiva ou especificamente estética. A poesia,
aí, é parte de um projeto existencial-ideológico que corre à revelia da
tradição conservadora em
geral. Se o projeto é utópico, isso já é outra história. A
obra individual tem a sua importância, porém secundária. Há um engajamento à
esquerda, assumido em boa parte dos poetas, embora o panfletarismo seja
evitado. Se na poesia tradicional percebe-se uma certa preocupação em esconder
nuances do jogo do poder, na poesia marginal o que há é uma espécie de ataque
frontal aos mecanismos de poder em geral. Nela, o mais importante não é o artesanato
de palavras em si mesmo, a competência linguístico-formal, porém a literatura
como ferramenta ou como ponte para algo maior: expansão da consciência,
pesquisa “ontológica”, combate ideológico, exposição de entranhas vitais, aprofundamento
da autopercepção e da visão crítica, etc. Outro lance muito caro para a poesia
independente é o combate à separação entre arte e vida. A supervalorização do
aspecto estético é uma conseqüência dessa separação. O Artaud já dizia que era
preciso "destruir a arte para tocar na vida". A tradição reacionária
cultivou e, em sua maior parte, ainda cultiva uma espécie de torre de marfim
intelectualóide, desligada da realidade concreta. Com os poetas marginais, o
que vai acontecer é um mergulho no cotidiano, na vida mesmo, com toda a sua
ferocidade. Na linguagem coloquial. Em algum tipo de anti-arte. Na
desierarquização estética. No erotismo explícito. Na coragem para expor as
tripas da condição humana, nua e crua. Daí que muitos poemas são flashes
do dia-a-dia, flertes com letras de música, notas de intuições; e a obra, um registro de processo
vital.
Outra referência importante é a
herança contracultural, com as suas experimentações, seus diversos matizes, a
espiritualidade oriental, etc. No ataque ao tradicionalismo, o choque
alternativo é bem mais fundo, mais amplo, mais visceral que o choque
modernista. Em relação ao regional, há ambigüidade. Se, por um lado, há uma
valorização das raízes, por outro existe a preocupação em criticar aspectos
conservadores da herança regional, principalmente no nível existencial, ou no
que se refere à rigidez de algumas "manifestações" populares.
Cultiva-se um regionalismo antropofágico e crítico, por assim dizer, aberto
para a assimilação de avanços cosmopolitas. Não um regionalismo xenófobo e
"careta" ou um folclore asséptico e acrítico, nem o regional pelo
regional.
As edições sofisticaram-se e vão desde
o off-set até o computador, ou mesmo alguma grande editora, uma vez que o
conteúdo e o tráfico de idéias são encarados como mais importantes que o
veículo, desde que não haja cortes ou modificações no texto.
Lara
OBS: em bereve no Castanha Mecânica
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirLimerique
ResponderExcluirLembre, se estás à margem meta o pau
Ponha boca no mundo, grite, escambau
Porque a onça só surta
Cutucada com vara curta
Mostre ao mundo que é poeta marginal.