Viajantes Interplanetários

sábado, 4 de maio de 2013

CONFRONTOS E CONFLUÊNCIAS

Peço licença a Caju e deixo aqui para vocês lerem essa confluência poética entre um príncipe brasileiro e um príncipe russo:


O Poeta-Operário
Grita-se ao poeta:
“Queria te ver numa fábrica!
O que? versos? Pura bobagem!
Para trabalhar não tens coragem.”
Talvez
ninguém como nós
ponha tanto coração
no trabalho.
Eu sou uma fábrica.
E se chaminés
me faltam
talvez
sem chaminés
seja preciso
ainda mais coragem.
Sei.
Frases vazias não agradam.
Quando serrais madeira
é para fazer lenha.
E nós que somos
senão entalhadores a esculpir
a tora da cabeça humana?
Certamente que a pesca
é coisa respeitável.
Atira-se a rede e quem sabe?
Pega-se um esturjão!
Mas o trabalho do poeta
é muito mais difícil.
Pescamos gente viva e não peixes.
Penoso é trabalhar nos altos-fornos
onde se tempera o ferro em brasa.
Mas pode alguém
acusar-nos de ociosos?
Nós polimos as almas
com a lixa do verso.
Quem vale mais:
o poeta ou o técnico
que produz comodidades?
Ambos!
Os corações também são motores.
A alma é poderosa força motriz.
Somos iguais.
Camaradas dentro da massa operária.
Proletários do corpo e do espírito.
Somente unidos,
somente juntos remoçaremos o mundo,
fa-lo-emos marchar num ritmo célere.
Diante da vaga de palavras
levantemos um dique!
Mãos à obra!
O trabalho é vivo e, novo!
Com os aradores vazios, fora!
Moinho com eles!
Com a água de seus discursos
que façam mover-se a mó!
- Maikóvski -

Profissão de fé
Não quero o Zeus Capitolino
Hercúleo e belo,
Talhar no mármore divino
Com o camartelo.

Que outro - não eu! - a pedra corte
Para, brutal,
Erguer de Atene o altivo porte
Descomunal.


Mais que esse vulto extraordinário,
Que assombra a vista,
Seduz-me um leve relicário
De fino artista.

Invejo o ourives quando escrevo:
Imito o amor
Com que ele, em ouro, o alto relevo
Faz de uma flor.

Imito-o. E, pois, nem de Carrara
A pedra firo:
O alvo cristal, a pedra rara,
O ônix prefiro.

Por isso, corre, por servir-me,
Sobre o papel
A pena, como em prata firme
Corre o cinzel.

Corre; desenha, enfeita a imagem,
A idéia veste:
Cinge-lhe ao corpo a ampla roupagem
Azul-celeste.

Torce, aprimora, alteia, lima
A frase; e, enfim,
No verso de ouro engasta a rima,
Como um rubim.

Quero que a estrofe cristalina,
Dobrada ao jeito
Do ourives, saia da oficina
Sem um defeito:

E que o lavor do verso, acaso,
Por tão subtil,
Possa o lavor lembrar de um vaso
De Becerril.

E horas sem conto passo, mudo,
O olhar atento,
A trabalhar, longe de tudo
O pensamento.

Porque o escrever - tanta perícia,
Tanta requer,
Que oficio tal... nem há notícia
De outro qualquer.

Assim procedo. Minha pena
Segue esta norma,
Por te servir, Deusa serena,
Serena Forma!

Deusa! A onda vil, que se avoluma
De um torvo mar,
Deixa-a crescer; e o lodo e a espuma
Deixa-a rolar!

Blasfemo> em grita surda e horrendo
Ímpeto, o bando
Venha dos bárbaros crescendo,
Vociferando...

Deixa-o: que venha e uivando passe
- Bando feroz!
Não se te mude a cor da face
E o tom da voz!

Olha-os somente, armada e pronta,
Radiante e bela:
E, ao braço o escudo> a raiva afronta
Dessa procela!

Este que à frente vem, e o todo
Possui minaz
De um vândalo ou de um visigodo,
Cruel e audaz;

Este, que, de entre os mais, o vulto
Ferrenho alteia,
E, em jato, expele o amargo insulto
Que te enlameia:

É em vão que as forças cansa, e â luta
Se atira; é em vão
Que brande no ar a maça bruta
A bruta mão.

Não morrerás, Deusa sublime!
Do trono egrégio
Assistirás intacta ao crime
Do sacrilégio.

E, se morreres por ventura,
Possa eu morrer
Contigo, e a mesma noite escura
Nos envolver!

Ah! ver por terra, profanada,
A ara partida
E a Arte imortal aos pés calcada,
Prostituída!...

Ver derribar do eterno sólio
O Belo, e o som
Ouvir da queda do Acropólio,
Do Partenon!...

Sem sacerdote, a Crença morta
Sentir, e o susto
Ver, e o extermínio, entrando a porta
Do templo augusto!...

Ver esta língua, que cultivo,
Sem ouropéis,
Mirrada ao hálito nocivo
Dos infiéis!...

Não! Morra tudo que me é caro,
Fique eu sozinho!
Que não encontre um só amparo
Em meu caminho!

Que a minha dor nem a um amigo
Inspire dó...
Mas, ah! que eu fique só contigo,
Contigo só!

Vive! que eu viverei servindo
Teu culto, e, obscuro,
Tuas custódias esculpindo
No ouro mais puro.

Celebrarei o teu oficio
No altar: porém,
Se inda é pequeno o sacrifício,
Morra eu também!

Caia eu também, sem esperança,
Porém tranqüilo,
Inda, ao cair, vibrando a lança,
Em prol do Estilo!
-Olavo Bilac -

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