Viajantes Interplanetários

sábado, 11 de maio de 2013

Conversas Vadias de Sábado

No início da minha juventude muito ouvi falar do génio de Camões. Acreditava, as pessoas que assim o afirmavam eram, para além de sabedoras, respeitáveis.
Faltava-me no entanto descobrir por mim a tão referida e propalada genialidade.
Descobri-o quando li uma composição de Camões "a uma cativa com quem andava de amores na Índia, chamada Bárbara", também conhecida por "Endechas a bárbora escrava": tinha descoberto que era mesmo verdade o génio de Camões.
Na tradição portuguesa, a composição poética endecha fugiu ao sentido fúnebre que lhe estava associado. Endechas na tradição da velha poesia grega e latina destinavam-se a cantar, elogiando, alguém que tinha falecido. Em regra, na Europa, a endecha seguiu esta tradição, mas não em Portugal, onde foi cultivada nos séculos XVI ao XVIII. Em Portugal a endecha era uma composição em tom melancólico e triste, num esquema métrico de cinco ou seis sílabas e geralmente agrupados em quadras que obedeciam a variados esquemas rimáticos.
Esta composição de Camões por vezes aparece sob a designação de trovas.
Mas, regressando ao meu encontro com o génio de Camões, quando acabei de ler a composição, senti que tinha descoberto por mim aquilo que os mais velhos me diziam tantas vezes.
Feita num elaborado jogo de antíteses, um verdadeiro labirinto de jogo de contrários, são imortais alguns desse jogos - Para ser senhora/De quem é cativa; Pretidão de amor/Tão doce a figura/Que a neve lhe jura/Que trocara a côr.
Mas onde os meus olhos e espírito pousavam a atenção eram nuns versos estranhos - Pretos os cabelos/Onde o povo vão/Perde opinião/Que os louros são belos - Fiquei preso nestes versos. Camões tinha dado um monumental pontapé na sintaxe, e no caminho construído versos imortais.
tente-se colocar as palavras do versos referidos na ordem sintáctica normal e adequada. Não fazem sentido, perderia leveza, graça, perderia a música secreta que a Poesia possui.
Mas deixo-vos com a composição completa, nestas primeiras letras que escrevo no Poetas de Marte, convite que muito me honra.
Acrescentarei ainda o vídeo de José Afonso que musicou esta composição de Camões.

Endechas a bárbara escrava

Aquela cativa
Que me tem cativo,
Porque nela vivo,
Já não quer' que viva.
Eu nunca vi rosa
Em suaves molhos,
Que para meus olhos
Fôsse mais formosa.

Nem no campo flores,
Nem no céu estrêlas
Me parecem belas
Como os meus amores.
Rosto singular,
Olhos sossegados,
Pretos e cansados,
Mas não de matar.

Uma graça viva,
Que nêles lhe mora,
Para ser senhora
De quem é cativa.
Pretos os cabelos,
Onde o povo vão
Perde opinião
Que os louros são belos.

Pretidão de Amor,
Tão doce a figura,
Que a neve lhe jura
Que trocara a côr.
Leda mansidão,
Que o siso acompanha;
Bem parece estranha,
Mas bárbara não.

Presença serena,
Que a tormenta amansa;
Nela, enfim, descansa
Tôda minha pena.
Esta é a cativa
Que me tem cativo
E, pois nela vivo,
É força que viva.





6 comentários:

  1. Mais cultura para o blog! Bem vindo camarada António Eduardo Lico.

    ResponderExcluir
  2. Gostei desses versos:

    "Eu nunca vi rosa
    Em suaves molhos,
    Que para meus olhos
    Fôsse mais formosa."

    Esse cabra jogava no meu time =]]]

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigado D.Everson.
      Espero que a minha contribuição possa estar à altura do prestígio do blog Poetas de Marte.
      Bom Sábado.

      Excluir
  3. Seja muito bem-vindo, meu nobre amigo, a esse planeta vermelho e louco. Bela postagem!

    ResponderExcluir