A poesia como libertação
Ninguém mais tem tempo para a poesia. Num
mundo invadido por frases prontas de Facebook, para que prescindir de uma
figura tão marginal como a do poeta? Zizo é uma voz solitária em Recife, declamando
a quem quer e a quem não quiser ouvir seus versos além de distribuir o jornal
que dá título ao filme: Febre do Rato
(expressão típica que se refere a alguém “danado” ou fora de controle). Zizo
seria uma figura que gostaria de estar nas atuais manifestações fazendo coro
junto com os insatisfeitos (quiçá mudando o discurso das palavras de ordem e
proferindo seus inspiradíssimos versos, exalando poesia, vendo somente nela a
saída para um mundo e uma sociedade tão caótica e fria e injusta, poesia para
entender e melhorar as relações humanas, sociais e políticas).
Zizo (Irandhir Santos) faz a alegria das
mulheres maduras locais, em que até o sexo com elas é envolto de recitações,
poemas também dedicados ao amigo com relacionamento em crise ou à bela Eneida
(Nanda Costa), que domina seus pensamentos desde que a conheceu em um das
festas que promovia. Esta não por acaso possui o nome de um dos maiores poemas
da literatura ocidental, a Eneida de Virgílio.
Cláudio Assis retoma neste A Febre do Rato as obsessões estéticas e
temáticas de seus filmes anteriores (a subversão dos valores conservadores, um irrequieto
e bem-vindo espírito anárquico, a nudez muito bem explorada e fotografada dos
atores, os planos sequências em plongée
que acompanham os personagens em suas movimentações pelos cenários). Desta vez
o colorido dos filmes anteriores cede ao preto e branco que reforça a postura
anacrônica para os dias de hoje do protagonista, assaz colorido e vivo para um
mundo tão monocromático.
Para que trovadores, declamadores, poetas?
Para que o lirismo? Para que serve este romântico inveterado (não o romântico
Roberto Carlos, aquele à moda antiga do tipo que ainda manda flores, e que tem
seu valor também, mas, sim, aquele que prima pela liberdade em todos os sentidos)?
Neste mundo que valoriza a rapidez, o imediatismo das coisas, é necessário
tempo demais para se debruçar em três ou mais versos, n'algumas estrofes,
arrancar-lhes sentido ou sensação, pensar e deixar-se provocar pelas imagens e
pelas palavras tão perfeitamente postas uma ao lado da outra. Este post, pelo visto, trata mais de poesia
do que o próprio filme em si. Mas cinema não é poesia?
Ao ver as imagens dos diversos protestos que
estão acontecendo no país, não tive como não lembrar da militância de Zizo que
grita no megafone sobre o veículo em movimento pelas ruas de Recife e no final
se desnuda para chamar atenção a um povo alheio e indiferente. E assim, vida e
arte prosseguem no seu eterno imitar um do outro.
Muito bem propício. E coloco aqui Antonio Cicero para enriquecer o debate sobre o não ter tempo para a poesia: http://cronisias.blogspot.com.br/2013/05/a-poesia-como-liberdade-e-experiencia.html
ResponderExcluirMuy buen texto que nos lleva a la reflexiòn del poeta.
ResponderExcluirun abrazo
fus
gostei muito, foi digno das confluências do Caju hehehehehehehehehehe
ResponderExcluirveio a mente agora o filme 'tempos de paz' comob Tony Ramos...
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