Viajantes Interplanetários

quarta-feira, 3 de junho de 2015

Marte



O planeta Marte é, de longe, o mais popular de nosso sistema solar. Talvez isso se deva ao fato de que ele é um dos mais próximos à Terra e que pode ser visualizado por aparelhos óticos de baixa potência. Por outro lado, sua popularidade também pode ser atribuída ao equívoco que resultou na crença infundada que na sua superfície existiam “canais”. Essa suposição começou com as observações do astrônomo italiano Giovanni Schiaparelli (1835-1910). Ao telescópio, ele observou uma série de supostas linhas finas que aparentemente uniam áreas escuras na superfície do planeta, como canais naturais que unem regiões alagadas. Schiaparelli as chamou de canali. Mas o termo foi traduzido para o inglês channel, que significa canal artificial. Na verdade o italiano queria referir-se a canais naturais como esses que são escavados pelas águas pluviais.
Incorporada ao imaginário ocidental essa interpretação errônea, criou-se a ilusão que em Marte poderia haver vida inteligente com todas as possíveis consequências que tal fato acarretaria. Marte transformou-se no planeta por excelência para abrigar seres verdes hostis providos de antenas, dispostos a pousar na Terra com suas naves de tecnologia avançada e transformar os terráqueos em escravos ou eliminá-los. Embalados pela aceitação quase passiva de existência desses “homenzinhos verdes”, vários escritores imaginativos criaram estórias de ficção nas quais éramos visitados por marcianos. Um desses escritores foi o inglês H. G. Wells, que em 1898, lançou “Guerra dos mundos”, livro que se tornou um clássico, gerou inúmeras imitações e serviu de inspiração a mestres como Orson Welles e Steven Spielberg.
Numa tranqüila noite de 1938, dia das bruxas (31 de outubro), um dos mais sensacionais programas de rádio já criados, em que o diretor Orson Welles simulou a invasão da Terra por conquistadores marcianos. Em pouco tempo, vários boletins fictícios - inseridos como notícia de última hora na programação normal - convenceram cerca de seis milhões de ouvintes, em todo o país, que as explosões ouvidas como ruído de fundo eram dos motores de foguetes partindo para a guerra de conquista. Estima-se que milhões de pessoas ficaram seriamente assustadas e muitos milhares entraram em completo pânico, gritando nas ruas, rezando ou procurando vedar as casas contra os gases das armas invasoras. Um marco na arte do suspense, o programa de Welles não fez mais que explorar a grande expectativa que as pessoas alimentam de encontrar vida em outros mundos, principalmente em Marte.
Com o avançar de novas descobertas a respeito de como a vida se sustenta no planeta Terra, a suposição que haveria vida inteligente em Marte arrefeceu, mas continuou existindo uma fímbria de esperança que um dia o homem pisaria naquele planeta de descobriria em definitivo a existência ou não de vida marciana. Quando os russos lançaram o Sputnik em 1957, e, em plena guerra fria, pegaram os americanos de calças curtas e fizeram com que estes acordassem para a “corrida espacial” a qual culminou com várias visitas à Lua e promessa de chegada do homem em Marte nos anos oitenta. Ficou só nas promessas, as explorações espaciais são muito caras e tornam viável apenas lançamentos de naves não tripuladas a outros planetas.
Do ponto de vista dos pesquisadores humanos, Marte continua sendo o mais interessante e promissor com respeito à possível existência de vida, ainda que microscópica. Sua atmosfera é suficientemente densa para lhe conferir um clima. Tal qual a Terra, Marte possui calotas polares que aumentam e diminuem de acordo com as estações. Essas características sugerem que Marte poderia ser habitado por seres, animais ou vegetais, nos moldes como os conhecemos no nosso planeta.
Contudo, além dessas especulações o mais das vezes ociosas, observações feitas no final dos anos 90 pela Mars Global Surveyor confirmaram a suspeita de que Marte, ao contrário da Terra, não possui um campo magnético digno de nota, aumentando potencialmente ameaça a qualquer tipo de vida pela exposição à radiação cósmica que pode alcançar a superfície do planeta em doses maciças. Cientistas também especulam a possibilidade de que a falta de proteção devido ao diminuto campo magnético ajudou o vento solar dissipar grande parte da atmosfera de Marte no curso de bilhões de anos.
Trocentas outras missões não tripuladas foram enviadas ao Planeta Vermelho com intuito não só de estudar sua atmosfera e constituição do solo, como também possíveis resquícios orgânicos de vida que teria existido em Marte em época distante quando suas condições, supõe-se, eram mais favoráveis à vida. Em fevereiro de 2005 foi anunciada a descoberta, pela Mars Express, de evidências de um baita mar congelado logo abaixo da superfície do planeta, ligeiramente ao norte do equador, com uma extensão assustadora de novecentos quilômetros. A importância da descoberta é que esta é a primeira evidência da existência de água longe dos pólos do planeta. Outra descoberta de monta é de uma superfície circular de gelo, de 35 quilômetros de comprimento e 2 quilômetros de profundidade, localizada no fundo de uma cratera, numa grande planície próxima ao pólo norte do planeta. Estas são as notícias mais importantes de todos os tempos com relação à existência de condições que permitiriam a eclosão de vida em Marte. No mais tudo é especulação ainda.
Pois é, o planeta vermelho, em oposição ao nosso vilipendiado planetinha azul, está próximo o suficiente para ser assediado por nossas sondas e longe demais para ser xeretado por nossos astronautas. Ainda mais, embora nessa matéria ainda caibam sonhos como “colônias marcianas” a serem habitadas por gerações de intrépidos pioneiros humanos, nosso nível tecnológico atual ainda não consegue resolver os maiúsculos problemas que surgiriam numa empreitada dessa natureza. Por enquanto, poetas e outros sonhadores podem continuar entoando a música “Marcianita” gravada por Sérgio Murilo nos anos setenta:
Esperada, marcianita,
Asseguram os homens de ciência
Que em dez anos mais, tu e eu
Estaremos bem juntinhos,
E nos cantos escuros do céu falaremos de amor...”

Dez anos, porque o otimismo daquele tempo supunha que em uma década estaríamos pisando no solo avermelhado daquele planeta. Sonhos! JAIR. Floripa, 20/03/12.

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