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Dani Black está maior do que era
antes, melhor do que era ontem. Nome de ponta de sua geração, filho urbano de
uma das vozes da mata, Tetê Espíndola, nome escrito nas estrelas familiares de
Arnaldo Black, agora ele revela mais claramente a que veio no universo musical
pop, com o tempo a seu favor, aos 27 anos. Compositor bem pensante, guitarrista
de impacto e cantor de intensa beleza e potência vocal, tem também o dom do
carisma, do bom humor e outras qualidades de um bicho do palco, desde quando
integrava o grupo 5 a Seco. No segundo disco de estúdio, “Dilúvio”, Dani chega
com os pares essenciais pra mergulhar numa abundância de ideias, timbres e
traçados líricos de um criador inquieto.
Há variações, entre sutilezas e
sobressaltos, a cada faixa, como a abertura do disco com orquestra, que logo dá
lugar a uma potente fusão de funk e rock com a banda em “Areia”, a combinação
de cordas e programações eletrônicas de Conrado Goys em “Dilúvio”, os trompetes
de Sidmar Vieira e a guitarra solo de Dani em “Seu Gosto”, o piano do
compositor, a sanfona de Zé Godoy e o quarteto de cordas na linda balada “Bem
Mais”. Sem perder a unidade, há também a alternância de reggae e rock na
dançante “Fora de Mim”, o despojamento de “Ú”, só com voz e guitarra, e a
grande e imprevisível cartada no fim: o dueto com Milton Nascimento na canção
mais pungente e reflexiva do álbum, “Maior”.
Parceiro de Zélia Duncan e Chico
César, com músicas gravadas por Ney Matogrosso, Maria Gadú e Elba Ramalho,
entre outros, o compositor e músico lançou o primeiro álbum solo (“Dani Black”)
em 2011, com maioria de canções próprias e uma regravação de “Comer na Mão”, de
Chico César, um dos insuspeitos entusiastas de seu trabalho. Em 2013
disponibilizou na web o “EP SP” com seis versões ao vivo de canções do primeiro
álbum e duas novas, “Encontros Carnais” e “Só Sorriso”, esta recriada em
estúdio para o segundo, em que assina todas as composições. “Não Não Não” é
outra que foi testada em shows. A sensual “Seu Gosto” também criou expectativa
ao ser revelada em vídeo em versão de voz e guitarras dele e de Conrado Goys,
em dezembro de 2014.
Profissional conceituado como
guitarrista, violonista, produtor, compositor e arranjador, Conrado produziu
“Dilúvio” (com coprodução do compositor), definindo sua sonoridade, durante
meses em estúdio até chegar à combinação ideal “da fúria do som misturada com a
densidade e a delicadeza da poesia”. Diferentemente do primeiro, que é um disco
basicamente de canções de amor, este é “um dilúvio de ideias, de mensagens, de
sensualidade muitas vezes”, como diz Dani. “É um disco espontâneo. Por mais que
tenha sido feito minuciosamente, a parte orgânica, que sou eu, é muito
espontânea.”
A alternância de climas e cores
sonoras dialoga com o “leque de assuntos”, incluindo “Ganhar Dinheiro”. Dani
tem notáveis qualidades como músico e intérprete, mas o que vem à frente é o
(compulsivo) compositor. Várias canções foram registradas no disco apenas com a
voz-guia, sem retoques. Outras foram refeitas inteiras até atingir o ponto
certo “da expressão da ideia”. O dueto com Milton Nascimento foi gravado ao
vivo em poucos minutos depois de vários dias de convivência com o cantor e
compositor no Rio. Apesar das diferenças estéticas, eles se afinaram no aspecto
humano e poético.
Depois da participação de Milton
nesse disco, Dani foi convidado a integrar os projetos “Mar Azul” (em que
interpretou “Travessia”) e “Mil Tom” (cantando “Paisagem na Janela”) e agora o
Teatro Mágico o chamou pra participar de seu álbum dedicado ao Clube da
Esquina. “Milton começou a circundar minha vida.”
Renato Neto, tecladista com mais
de dez anos de experiência com o ídolo americano Prince, é outra presença de
luxo no disco. Minucioso, passou mais de cinco horas com Dani em estúdio,
apenas para escolher dois ou três timbres que fazem a diferença em “Linha
Tênue”. É uma pancada pop, com a guitarra de Dani “ardendo pra furar mesmo”,
como se vê em sua atuação marcante ao vivo.
A referência mitológica do dilúvio
– da tempestade seguida da reconstrução – reflete um estímulo criativo. “O
dilúvio não quer ser bonito, é uma força da natureza. Então, é espontâneo, como
só a natureza sabe ser, implacável e generosa ao mesmo tempo”, diz Dani. Entre
seus achados líricos do disco, há esses versos da canção-título: “E quando
acender a minha chama / Todos os sins vendo os nãos em apuros / Eu quero é
morrer num beijo puro / De línguas e sais”. Em “Não Não Não”, diz: “Não vou,
não vou ficar não / Aqui esperando que você me faça em pedaços e depois se
sirva”. Existencial, “Maior” revela que esse “filho do mistério e do silêncio”,
atento à voz do tempo, quer e pode ir bem mais longe.
“Quero tirar o que tem de mais
valor em mim, sou um cara visceral. E o que me toca, que naturalmente vai pra
minha composição, é tentar furar as pessoas, mexer com elas e segurá-las até o
final na mesma intensidade. Quero que viajem nas imagens que estou propondo.” E
assim, sem dispensar importantes referências, ele deixa pegadas fundas no
caminho suave, como só faz quem tem groove.
Lauro Lisboa Garcia
Agosto2015
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