Viajantes Interplanetários

domingo, 16 de agosto de 2015

Traçado



Uma grafóloga quis me desvendar pelo que escrevo. Como eu sou amador, entreguei um monte de folhas de A4 impressas com poemas, cronicontos e piadinhas que ainda não sei como usar oficialmente em algo escrito. Não, não — ela me disse escondendo o riso com delicadeza — não é o conteúdo do que você escreve, mas o seu riscado no papel. Me senti um idiota por não usar a dedução ou ter consultado o dicionário. Grafologia: análise da personalidade dum indivíduo por meio do estudo dos traços de sua escrita. Ouvi o que ela me disse sem espanto. Já havia lhe deixado tudo escancarado desde que girei a maçaneta e não soube o que fazer com os meus olhos.
Levei muitos puxões de orelha por recusar uma grafia enlaçada. As professoras sempre colocavam-me caderninhos para melhorar o traço. Sempre achava que imitar um desenho para escrever não era minha praia. Nos exercícios de caligrafia prestava mais atenção na tipografia do enunciado da tarefa do que na letra cursiva a ser copiada. O desenho da escrita em fluxo sempre me lembrava as horas dentro da escola. As computadorizadas eram o mundo lá fora. Notava as variações em rótulos, manchetes, placas & anúncios e ficava investigando as diferenças entre os tipos. Busquei criar um traço que se assemelhasse às letras dos impressos.
Quando abri o Microsoft Word 95 pela primeira vez, uma flor explodiu nos meus olhos. Algo no meu sangue começou a fervilhar. O barulho do teclado não estava imitando a Nona de Beethoven enquanto eu digitava? Tive que me esforçar para poder pressionar as teclas com a vista fixa na tela. Ver a letra surgir com o som. Com o contato. E não importava o quão rápido eu quisesse ser com o teclado. Cada toque só aconteceria após um intervalo. A pausa: o silêncio: a poesia. Não sabia exatamente como eu teria que alinhar as escolhas da vida para que aquele encantamento permanecesse. Mas sabia que era ali que eu deveria estar. Pressionando teclas como quem coloca, uma a uma, as marcas digitais no papel.

Fred Caju

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