Viajantes Interplanetários

domingo, 8 de abril de 2012

Cinemarte, por Wesley Moreira de Andrade


“O livro é bem melhor que o filme!”.


Quantas vezes escutamos isto nas habituais conversas que travamos quando o assunto é cinema? O que é, claro, uma informação óbvia. Não tem como o cinema ter a mesma profundidade de descrições físicas, psicológicas, reflexões existenciais da literatura, mesmo porque o estilo literário é muito diverso do cinematográfico. Outra coisa que as pessoas não entendem é que quando o livro é transposto para as telonas ele será “adaptado” pelo roteirista, ou seja, em hipótese alguma, a estória será contada integralmente. Se acontecesse isto, certamente tornaria o filme um maçante entretenimento.
Muitas vezes os filmes também não são fiéis às obras que se baseiam, acreditem, para a nossa felicidade. Um filme deve ser analisado como um filme e não comparado com a obra que deu origem à sua produção e se o roteirista, com alguma boa probabilidade de acerto, não incluiu determinada situação na trama é porque julgou desnecessário ou até mesmo prejudicial ao andamento da estória. Aqueles que tiveram fidelidade estrita fecharam-se num hermetismo que até mesmo os leitores não gostaram ou entenderam e poucas vezes funcionaram cinematograficamente. O que deve acontecer na película é a tradução das palavras do livro em imagens, assim como na arte de escrever roteiros também se espera que contem-se estórias através de imagens prioritariamente.
Existem os livros que sequer conhecemos e descobrimos de que se tratam de adaptações, outros que viram best sellers e tornam-se alvos imediatos dos ambiciosos produtores hollywoodianos. Qualidade literária não é certeza de que vá se tornar um grande filme. Muitas vezes a narrativa apenas funcione na forma escrita e não no aspecto visual. Nem todos os livros que ganham versões para as telonas são exatamente bons, vide os da Saga Crepúsculo que renderam milhões nas bilheterias e também milhões de pessoas que o odeiam como fenômeno literário e cinematográfico.
Alfred Hitchcock já citou uma vez que livros ruins sempre resultam em filmes interessantes. Seus maiores clássicos originaram-se de livros obscuros que passaram despercebidos nas prateleiras das livrarias, como, por exemplo, Psicose. E poucos diretores entendiam tão bem como contar uma estória como o mestre do suspense.


Já aconteceu dos filmes tornarem-se mais famosos do que os livros adaptados. Morte em Veneza é frequentemente lembrado como um clássico de Luchino Visconti do que uma das mais célebres obras escritas pelo alemão Thomas Mann. Outras obras tiveram que esperar décadas para serem vistas nos ecrãs de todo o mundo, pois a tecnologia da época ainda não permitia a adaptação, como por exemplo, O Senhor dos Anéis de J. R. R. Tolkien. Existem aqueles filmes que de tão densos, lembram e muito obras oriundas da literatura, como grande parte da filmografia do sueco Ingmar Bergman, que também teve enorme influência do teatro na sua escrita e direção.


Nossos clássicos nos proporcionaram algumas ótimas transposições. Macunaíma, de Joaquim Pedro de Andrade talvez seja a mais representativa de todas elas, pelo menos a mais pop das que já foram produzidas até hoje (a mistura de psicodelia, Tropicalismo, inspiração kitsch entre tantas referências que devem ter feito Mário de Andrade ficar feliz com a versão de seu romance). Além de Vidas Secas, de Nelson Pereira dos Santos, que traz quase o mesmo impacto do romance de Graciliano Ramos. Ambas obras-primas deste momento único em nosso filmografia que foi o Cinema Novo.
Muitas pessoas leem os livros, pois viram o filme antes no cinema. E, aqui entra uma impressão pessoal, acredito que antes de desenharem uma personagem com a sua imaginação, veio à cabeça do leitor o semblante do ator ou atriz que interpretou o protagonista. Eu já sofri demais com esta situação, apesar disto não me atrapalhar de gostar ou não do livro. Quando o livro é muito bom a gente esquece até mesmo aquele filme que te marcou. E aí a literatura marca mais um ponto: quando lemos um livro e vemos posteriormente a sua adaptação, o risco de não gostarmos é maior. Por quê?
O fato de surgir em sua mente a afirmativa do início desta coluna.

14 comentários:

  1. Caro Wesley,
    Gosto muito de teus textos cinemais porque você tem a facilidade de "colocar o dedo na ferida", escreve com leveza e vende o peixe com competência. É particularmente difícil explicar, como você o fez muito bem, a diferença entre o livro e sua versão na telona. Sempre que leio e gosto de um livro não costumo ver sua versão cinematográfica porque fico comparando e acabo não gostando. Quando não li o livro vejo o filme e geralmente gosto. O único filme que ficou absolutamente igual ao livro foi "A menina do fim da rua" onde estreou a garotinha Jodie Foster e tinha Martin Sheen como personagem. Parabéns pela suculenta postagem, JAIR.

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    1. Muito obrigado, Jair!

      Agora você me deixou curioso pra ver este filme com a Jodie Foster em sua estreia rsrsrs

      Um grande abraço!

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  2. Muito bom ler seus textos. Eu adoro cinema eadoroliteratura. Este ficou show!!Abraços.

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    1. Valeu, Regina!

      Não tem como dizer qual das duas artes é a mais encantadora, acredito que ambas se complementem. Compartilho da sua mesma paixão.

      Um grande abraço!

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    1. Obrigado, Cristiano!

      Lembrando que a ideia do post foi sua e do Fred Caju, acabei aproveitando a dica.

      Um grande abraço!

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    2. Ideia nossa e talento exclusivo seu!

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  4. Acho que há espaço para apreciar o livro e o filme, sem ficar comparando. Mesmo numa adaptação longa, como foi o Senhor dos Anéis sempre falta alguma coisa, mas não é por isso que o filme é ruim.

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    1. Realmente, Fabio.

      A culpa não é do cinema, infelizmente é preciso cortar muita coisa do livro para que este apareça em sua essência na tela.

      Um grande abraço!

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  5. Olá Wesley, com esse texto esclarecedor você me deu a oportunidade de entender sobre meus porques de não gostar das adaptções do livro para o cinema. Você é mestre no assunto! Parabéns!Beijos!

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  6. Muito obrigado, Vilma!

    Como o Fabio apontou no comentário acima, sempre vai faltar algo na adaptação para cinema de uma obra literária. Mas se o filme é bom a gente esquece este detalhe rsrs

    Beijos!

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  7. Boa, Wesley! Gostei de como você tocou na questão. Fiquei curioso com algumas predileções suas...

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  8. Muito bom cara!
    Vidas secas é um filme seco, do geito q eu gosto - um tapa na cara, até agora tenho o rangido do carro de boi no juízo

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  9. "(...)O que deve acontecer na película é a tradução das palavras do livro em imagens(...)"
    Perfeita colocação Wesley! Quando surgirem as futuras comparações no pensamento, vou lhe plagiar. :P
    O assunto é polêmico e divide seriamente as opiniões. Assim como essa questão que você levantou de qualidade literária e do que são comumente chamados os livros bons.
    Como sempre, adorei o post, Parabéns.

    :*

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